ALESSANDRO DE PAULA CANELO*
(orientador)
1.INTRODUÇÃO
O presente trabalho científico se debruça ao estudo das Medidas Provisórias 927/2020 e 936/2020 como instrumentos utilizados pelo governo federal, no ápice da pandemia do COVID-19, para garantir emprego e renda, bem como manter os postos de trabalho. Ora o mundo se viu abalado pela acelerada propagação do novo corona vírus, causado pelo SARS-CoV-2, logo, em um curto intervalo de tempo se disseminou de maneira globalizada, obrigando os países a tomarem medidas de prevenção e meios de minimizar o contágio.
A Organização Mundial da Saúde – OMS declarou estado de pandemia em escala mundial e orientou como principal forma de prevenção o isolamento social. Dessa forma, por se tratar de um vírus influenza para o qual não tinha vacina ou medicação eficaz, não restava alternativa para conter a situação de calamidade senão seguir as orientações da OMS e das autoridades de saúde.
Assim, prefeitos e governadores editaram decretos locais que, determinavam o fechamento do comércio, não considerado essencial, para que diminuísse a circulação de pessoas de maneira eficaz, com o intuito de conter a disseminação da doença. Logo, o que setor mais afetado fora a economia, bem como, as empresas e, consequentemente, os postos de trabalho ameaçados.
Tem-se por objetivo geral analisar as MPs no que tange aos reflexos e interferências nas relações de trabalho bem como, verifica-las sob os aspectos de constitucionalidade e controle de convencionalidade. Os objetivos específicos são pautados em examinar a evolução histórica dos direitos trabalhistas, bem como a criação dos organismos internacional de proteção ao trabalhador e ponderar, minuciosamente, cada item previsto no texto das duas medidas provisórias e verificar a opinião doutrinária, a saber, as principais polêmicas em torno dos mesmos.
Nota-se, neste cenário, uma dicotomia de bens jurídicos a serem protegidos. De um lado, a saúde pública atrelada à vida e do outro, o giro econômico que é atrelado ao crescimento do país e a garantia de emprego e renda. Desse modo, as medidas tomadas se concentraram em garantir que o trabalho não fosse afetado de maneira a gerar o caos durante o período pandêmico que, por sua vez já é de calamidade pública.
No segundo capítulo será abordado o direito de sindicalização sob a ótica da Constituição Federal de 1988, da convenção nº 87 da OIT e as mudanças advindas com a lei nº 13.467/2017, a reforma trabalhista, no que tange ao princípio da unidade e da liberdade sindical.
Na vez seguinte, será expresso estudo meticuloso sobre as regras determinantes constantes na MP 927/2020 e 936/2020, bem como a opinião doutrinária sobre os dispositivos. Por derradeiro, será verificado o controle de convencionalidade sobre as MPs no que diz respeito à proteção dos direitos trabalhistas que vigoram no ordenamento jurídico brasileiro, bem como o posicionamento do Supremo Tribunal Federal a respeito do conteúdo das medidas provisórias e sua aplicabilidade com o fito de manutenção de emprego e renda no período de calamidade.
O método utilizado no presente ensaio foi a base doutrinária formada por professores, magistrados, advogados e bacharéis em direito, notoriamente gabaritados a comentar a aplicação do direito material frente à situação de calamidade, bem como o entendimento da jurisprudência do STF no que diz respeito à análise de constitucionalidade das medidas provisórias e o controle de convencionalidade.
2.NORMAS CONSTITUCIONAIS E A LIBERDADE SINDICAL COLETIVA.
2.1. Contexto Histórico
No final do século XVIII surgiu no Continente Europeu um movimento que acendeu grandes mudanças sociais e econômicas, isso ocorreu a partir da substituição do modo de produção manufatureiro e artesanal, para ceder lugar às grandes indústrias mecanizadas. Esse fenômeno diz respeito ao período da Revolução Industrial, iniciado na Inglaterra, estendendo-se logo em seguida para outros países orientais e ocidentais (FILHO, 2001).
As relações de trabalho e emprego se consolidaram com o advento da 1ª Revolução Industrial, período em que há uma enorme ascensão das indústrias após a invenção da máquina a vapor, movimentando uma grande massa de pessoas que migravam da zona rural para os grandes centros urbanos em busca de novas oportunidades de trabalho.
Desse modo, há uma ruptura do trabalho manufaturado passando a ser substituído pelo industrial. Na visão de NAPOLEONI:
(...) a própria essência da tecnologia capitalista reside no fato de que é invertida a relação entre o trabalho e o instrumento; enquanto, inicialmente, o instrumento é precisamente instrumento em sentido próprio, agora é exatamente o contrário; é o trabalho que se torna instrumento e, portanto, o termo de mediação com o qual o sistema das máquinas – que agora não está mais na posição de instrumento – entra em contato com a coisa, com o objeto trabalhado, com o processo. (1981, p. 88)
Assim, foi um tempo bastante conturbado para o proletariado no que tange a proteção e garantias no ambiente de trabalho, o qual era considerado sub-humano, com jornadas que chegavam a 18 horas diárias. O trabalhador era visto como “objeto” que compunha o sistema industrial, apto a operar as máquinas e apenas isto.
O fenômeno da industrialização acarretou mudanças significativas nas relações sociais, principalmente, nas relações de trabalho. E consequentemente, a estrutura de trabalho existente até o momento não teve mais como prosperar no cotidiano dos grupos sociais da época.
Antes da revolução da indústria, o trabalho artesão predominava, ou seja, todo o trabalho era produzido manualmente e distribuído também dessa forma, sendo assim, o próprio artesão produzia e distribuía o produto ao consumidor. Com a Revolução Industrial, a figura do artesão perdeu espaço na sociedade, pois não dispunha de capacidade produtiva para competir com grandes produtores que predominavam na época.
Assim, os artesãos que tiveram seu espaço drasticamente reduzido no mercado de trabalho, representavam uma importante parcela da classe operária, compondo, elevada quantidade de mão de obra. Prejudicados pelo avanço da industrialização, esses artesãos passaram a ter as piores condições de vida possíveis, chegando a viver até em condições de miséria.
Um dos efeitos da industrialização foi a divisão da sociedade em duas classes: de um lado, os burgueses que eram detentores do capital, e do outro o proletariado, que vendia sua força de trabalho, o qual recebia baixos salários como pagamento.
Como consequência das dificuldades impostas pela industrialização, começaram a insurgir movimentos e formação de organizações sociais destinadas a reivindicar proteção nas relações laborais, como a definição da jornada de trabalho e a abolição da discriminação do trabalho feminino, desse modo, o povo clamava por proteção legislativa com o objetivo de romper e erradicar com as formas existentes nas relações de trabalho da época, a saber, eram precárias e desumanas, às quais se submetiam os trabalhadores.
Era bastante comum ocorrer acidentes de trabalho que invalidassem o operário, uma vez que as primeiras máquinas eram experimentais, logo o manuseio era arcaico e, consequentemente precário, ora não havia treinamento adequado para a segura operacionalização do equipamento.
A primeira legislação de cunho protecionista ao trabalhador foi proposta por Otto Von Bismarck na Alemanha em 1881, que previa proteção quanto aos acidentes de trabalho, pensões em caso de invalidez, até mesmo por velhice e, ainda previa a criação dos primeiros sindicatos.
Na vez seguinte, em 1917, a Constituição Mexicana se torna um exemplo de proteção às relações de trabalho, como por exemplo, a limitação da jornada de trabalho a 8 (oito) horas diárias, regulamentação do trabalho feminino e infantil, garantia ao direito de férias, entre outros. Mais tarde, outras Constituições também passaram a reconhecer tais direitos trabalhistas. (BAHIA, 2020)
Logo, era extremamente importante a existência de um organismo internacional com intuito de garantismo do bem estar dos trabalhadores. Para MAIOR:
No Tratado de Versalhes há um reconhecimento expresso de que o desprezo pelas condições de trabalho e de vida dos trabalhadores, advindas do modelo capitalista de produção, que se desenvolveu em nível mundial, foi uma das causas principais da deflagração. Prova contundente e insofismável disso são os termos do próprio Tratado e a preocupação expressa de encontrar uma solução para o problema a partir da criação de instituições voltadas à formulação de direitos aos trabalhadores. (2011, p. 251)
Nota-se que a Organização Internacional do Trabalho – OIT, teve sua criação no marco histórico pós 1ª Guerra Mundial, especificamente em 1919. Em sua gênese, fora concebida como um órgão independente da Sociedade das Nações, logo sua criação antecede a própria Organização das Nações Unidas, criada no mesmo contexto pós-guerra.
Sobre a criação e estrutura da OIT, comenta FÉLIX:
A Organização Internacional do Trabalho - OIT foi fundada em 1919 no Tratado de Versalhes e, incorporada à ONU em 1946, é a única das agências do Sistema das Nações Unidas com uma estrutura tripartite, composta de representantes de governos e de organizações de empregadores e de trabalhadores. É responsável pela formulação e aplicação das normas internacionais do trabalho (convenções e recomendações). O Brasil participou como membro fundador da OIT e participa da Conferência Internacional do Trabalho desde sua primeira reunião. Hoje a OIT conta com 185 países[1]membros. A OIT é composta de 03 órgãos: a Conferência Internacional do Trabalho; o Conselho de Administração e a Repartição Internacional. (2020, online)
Haja vista o projeto de um organismo internacional com intuito de proteger as relações de trabalho já era cogitada antes mesmo do fim da 1ª Guerra. Todavia, em 1946, a OIT torna-se um órgão especial dentro da estrutura da ONU, tendo como objetivo primordial a proteção das relações de emprego num âmbito internacional, promovendo assim, a igualdade entre o homem e a mulher, bem como a dignidade como eixo fundamental a reger a relação jurídica de trabalho.
2.2.Normas Constitucionais – Constituição Federal de 1988.
Antes de adentrar ao assunto proposto no presente trabalho acadêmico, é importante norteá-lo com embasamento constitucional, uma vez que a Constituição Federal de 1988, lei de maior hierarquia no ordenamento jurídico brasileiro, deve ser parâmetro para todas as leis e atos normativos infraconstitucionais. Logo os princípios constitucionais são normas que baseiam todos os ramos do Direito Brasileiro, pois devem obedecer ao regramento da nossa Carta Magna.
A existência de uma Constituição em um país é algo memorável, ora, mesmo que esta traga defeitos no bojo de seu texto, é melhor do que se não existisse. Assim, se evita o exercício do poder arbitrário que atenta contra as liberdades e os direitos fundamentais. Desse modo, ainda que esta Constituição não seja deveras adequada, mesmo assim é a gênese para a concepção de um Estado de Direito. (ATALBITA, 2001)
A Constituição Federal, em todos os seus princípios, garantias e direitos fundamentais se pauta a um propósito em especial, que é a garantia do Estado aos direitos de todos os brasileiros, haja vista que tem-se em um país democrático de direito, mas para que isso ocorra é necessário assegurar o respeito e moralidade a todos os brasileiros.
Segundo ARRUDA:
A Constituição não é apenas um limite negativo à atuação do Estado, mas um texto de encargos, o que obriga o Estado a dirigir suas atividades à prestação e empenho na satisfação das necessidades econômicas, culturais e sociais de seu povo, além de ser uma fonte de disciplina das relações entre seus cidadãos. (1999, p. 39)
Percebe-se que o Estado tem o dever de promover a satisfação das necessidades mínimas, com o intuito de garantia mínima existencial à qualidade de vida, bem como proteger e garantir direitos fundamentais. Assim, as relações de emprego devem ser protegidas, ora o direito ao trabalho é considerado direito fundamental expresso na CF/88 como direito social.
Desse modo, a tutela estatal existe para que todos tenham uma vida digna e respeitável pautada nos princípios básicos de dignidade humana. Embora seja um conceito de valor abstrato para concepção e definição, é considerada uma realidade existente na vida de todo ser humano, haja vista, quando há violação à dignidade, é possível visualizá-la notadamente. (SARLET, 2001)
Nesse sentido, se posiciona BAHIA:
As lições obtidas com a derrocada do fascismo motivaram inovações e releituras das normas constitucionais, inaugurando o direito constitucional contemporâneo. Diante do tratamento desumano vivenciado pelos regimes totalitários, o plano normativo consagrou a dignidade da pessoa humana como eixo central desta nova fase do Direito Constitucional. Essa construção teórica irradiou-se em outros grupos de direitos fundamentais, como os direitos à fraternidade, à democracia e à paz. (2020, p. 41)
Ainda pontua SARLET:
Quando se fala – no nosso sentir equivocadamente – em direito à dignidade, se está, em verdade, a considerar o direito a reconhecimento, respeito, proteção e até mesmo promoção e desenvolvimento da dignidade, podendo inclusive falar-se de um direito a uma existência digna. (2001, p. 71)
É o mínimo necessário de respeito e dignidade no qual o indivíduo deve ser tratado em todos os aspectos inerentes à sua vida, no que tange ao direito ao trabalho. A dignidade da pessoa humana é um princípio abrangente e deve ser observado e abraçado em toda a prestação estatal nos mais diferentes aspectos que são garantidos pala carta magna.
Sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, afirma MORAES:
Concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a ideia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Noção, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. (2020, p. 52)
O art. 6º da Constituição expressa que direito ao trabalho como direitos sociais, assim, a proteção ao trabalho é dever do Estado, uma vez que é garantidor e promotor dos direitos fundamentais de todos os brasileiros e dos estrangeiros que aqui residam, para que tenham acesso ao mínimo de qualidade digna de vida. Já o art. 7º, I, nos traz o princípio da proteção das relações de trabalho contra despedida arbitrária:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
A Constituição cidadã consagra a proteção às minorias e aos menos favorecidos, como direito fundamental, assim destaca-se a dignidade humana e a isonomia, ora, deve haver o mínimo de bem estar e vida com qualidade, bem como a garantia de igualdade real. Cabe ressaltar que, o rol destinado aos direitos sociais do trabalhador, expresso entre os artigos 7º a 11 da CF, é exemplificativo e, são direcionados pelo princípio da igualdade entre os trabalhadores urbanos e rurais.
Nota-se que as normas de proteção ao trabalho já estão positivadas há um lastro temporal considerável, assim, o texto constitucional, especialmente o art. 7º, se preocupa com a melhoria das condições sociais do trabalho, bem como, proteger as relações de emprego, minimizando, o possível, das situações impositivas e arbitrárias, ora, o trabalhador é considerado vulnerável.
2.3 A liberdade sindical e a Reforma Trabalhista
O princípio da unidade sindical, consagrado pela CF/88, traz em sua acepção uma série de discussões, uma vez que a doutrina majoritária entende que tal imposição é contrária ao Estado Democrático de Direito.
Os direitos sociais foram projetados em âmbito internacional, com a criação da OIT, que enaltece a liberdade de sindicalização e, realiza um trabalho de promoção de justiça social, ascensão de direitos trabalhistas e ampliação do tratamento mais humano no que tange às relações de trabalho. Ora tais ações são promovidas por meio de projetos, a nível internacional, bem como incentivo aos países membros para que legislem a esse respeito. (FELIX, 2020)
A Organização Internacional do Trabalho – OIT defende o princípio da liberdade sindical, contudo a CF, em seu artigo 8º, II, se contrapõe a tal princípio restringindo o espaço geográfico para criação de sindicatos que defendem a mesma categoria:
Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município; (BRASIL, 1988).
Tal dispositivo consagra o princípio unidade sindical, ou seja, o trabalhador não pode escolher livremente a qual sindicato se filiar, pois é vedada a criação de mais de um sindicato que represente o mesmo grupo de trabalhadores em um mesmo lugar. No entanto a CF também afirma que nenhum obreiro é obrigado a associar-se ou permanecer associado a nenhum sindicato, assim temos a liberdade sindical.
Logo, a lei nº 13.467/2017, conhecida como reforma trabalhista, se mostrou contrária à unidade sindical, adotada pela CF/88, trazendo liberdade de sindicalização e o fim da contribuição sindical anual compulsória. Assim prevê o art. 579 da CLT:
O desconto da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e expressa dos que participem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão, ou inexistindo este, na conformidade do disposto no art. 591 desta Consolidação. (BRASIL, 2017)
Como se nota, o Brasil é signatário do Pacto de San José da Costa Rica, o qual adota o princípio da norma mais benéfica em detrimento da maléfica, assim, no entendimento de PIOVESAN tal princípio de conceitua como:
Intepretação e aplicação da normatividade de direitos humanos, ficando afastados os princípios interpretativos tradicionais, como o princípio da norma posterior que revoga a anterior com ela incompatível, ou o princípio da norma especial que revoga a geral no que apresenta de especial. (2000, p. 26)
Trata-se da possibilidade da lei retroagir ou ultra-agir para aplicação daquela que for considerada mais benéfica ao caso concreto. Todavia percebemos que o princípio da unidade sindical contraria o disposto na Convenção nº 87 da OIT, que por sua vez defende a plena liberdade sindical, contudo cabe ressaltar que tal norma internacional não fora ratificada pelo Brasil, logo não passou pelo crivo constitucional para alcançar o status de emenda constitucional.
A concepção de liberdade sindical fora abordada, pela primeira vez, pela Convenção nº 87 da OIT. Dando aos trabalhadores e empregadores a flexibilização e julgamento de conveniência, ao decidirem as instituições representativas de cada classe trabalhista, bem como federações e confederações, bem como a liberdade de associarem-se a tais instituições, eleição de seus representantes e elaboração de documentos, os regimentos internos. (FELIX, 2020)
Nesse sentido, ensina VALTICOS:
O primeiro aspecto destes princípios é o da liberdade individual, ou seja, do direito dos indivíduos – trabalhadores e empregadores, sem nenhuma classe de distinção – de constituir organizações de sua escolha e de filiar[1]se, com a única condição de ser conforme ao estatuto destas organizações. As únicas exceções autorizadas referem-se aos membros das forças armadas e da polícia. A consequência principal desta regra é que o Estado não possa impor a existência de uma única organização sindical. Cabe aos próprios trabalhadores escolher se, de fato, eles preferem a unidade ou o pluralismo sindical. O segundo aspecto da liberdade sindical é o da liberdade coletiva, ou seja, da autonomia interna, assim como externa, dos sindicatos, particularmente com relação ao Estado. Os sindicatos devem deste modo ter o direito de elaborar seus estatutos e regulamentos, de escolher seus representantes e de organizar suas gestões e suas atividades; as autoridades devem abster-se de intervir. (1989, p. 64).
A reforma trabalhista por sua vez, advinda com a Lei 13.467/17, trouxe maior ênfase aos acordos individuais e coletivos colocando-os em posição de supremacia, contudo traz pontos em comum com as normas da OIT no que tange à liberdade sindical, todavia, a ratificação de tais normas e sua incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro traria confronto ao princípio da unidade sindical que ora é defendido pela Constituição.
Nota-se que fora mais abrangente e profunda do que seu projeto, ora trouxe modificações na CLT acrescentando artigos e modificando redações. Contudo, pelas alterações trazidas em seu texto, alguns doutrinadores afirmam que a reforma não tem, em se bojo, princípios norteadores do direito do trabalho, em especial o princípio da proteção ao trabalhador, como parte hipossuficiente. Sobre este aspecto, pontuam DELGADO; NEVES DELGADO:
[...] também se apresenta como um processo de desarticulação do conjunto normativo de proteção aos direitos trabalhistas firmados na perspectiva do Sistema Internacional de Direitos Humanos, circunstância que possibilita a submissão da referida lei eventual juízo de constitucionalidade e também ao eventual juízo de convencionalidade – igualmente denominado de controle de convencionalidade. (2018, p. 72)
Para os autores, a reforma traz uma ideologia contrária à regulamentação trabalhista vigente no país, bem como é a concretização de projetos anteriores que tinham tal objetivo, ou seja, flexibilizar direitos por meio de negociações coletivas, logo é retrocesso.
Para a professora e juíza NAHAS:
Acho que a reforma trabalhista é necessária. Temos que parar de entender o direito do trabalho como o direito aplicável unicamente ao operário, às horas extras e às anotações em CTPS. O direito do trabalho está além disso. Não há Estado sem a regulamentação adequada do direito do trabalho, pois é a veia que pulsa a economia. Deveria ter uma abrangência muito maior, com a inclusão de várias relações jurídicas ainda não regulamentadas de forma adequada. Precisamos de uma reforma mais profunda e estrutural, não só do direito individual do trabalho, mas também do direito coletivo, sindical e processual. Todavia, não é a reforma do direito do trabalho que trará a solução para a crise econômica, mas sim uma reforma política, cultural, educativa e tributária no País. (2018, online)
Várias ações que objetivam a inconstitucionalidade das normas trazidas pela lei nº 13.467/2017 são objeto de apreciação no Supremo Tribunal Federal, bem como reclamações encaminhadas à OIT, sob o pretexto de transgressão às normas e convenções internacionais de proteção ao trabalhador.
Por derradeiro, o direito de sindicalização também foi acrescido na reforma trabalhista, em seus artigos 611-A e 611-B, os quais permitem as negociações coletivas se sobrepondo à legislação. Sobre tal aspecto afirma o Min. Augusto César Leite de Carvalho:
[...] as novidades trazidas com a Lei n. 13.467/2017, intitulada reforma trabalhista, desafiam a progressividade das normas regentes do Direito do Trabalho – consagrada no direito das gentes e no art. 7º, caput, da Constituição – quando invertem o sinal da negociação coletiva para incentivá-la como meio de retroceder na escala de proteção aos direitos sociais (a outro propósito não serve o novo art. 611-A da CLT (2018, p.30)
Os limites sobre as negociações coletivas no que tange à sobreposição ao legislado, assim dispostas nos artigos 611-A e 611-B da CLT, serão abordados adiante, em capítulo específico, sob os aspectos do controle de convencionalidade.
3.REGRAS ESPECIAIS DETERMINANTES E ANÁLISE DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS 927/2020 E 936/2020.
O mundo, no final do ano de 2019, se viu ameaçado pelo surgimento do novo coronavírus, cientificamente denominado Sars-Cov-2, causador da doença Covid-19, a qual, rapidamente se espalhou pelo globo terrestre, chegando ao Brasil em meados de março de 2020.
Desse modo, as autoridades de saúde, em específico a Organização Mundial da Saúde – OMS vem alertando a população sobre as principais formas de prevenção e meios para evitar a disseminação do vírus, uma delas é o isolamento social. Tal meio de prevenção consiste em manter distância de pelo menos 1 (um) metro de distância entre as pessoas, pois assim se evita o contágio do vírus. No início do surto, governadores e prefeitos, por meio de decretos, determinaram regras para frear a circulação de pessoas, o lockdown tem por objetivo impedir o trânsito desnecessário de pessoa e, além disso, interromper completamente, por um curto período de tempo, qualquer atividade considerada não essencial e, assim, diminuir a possibilidade de propagação da doença.
Apesar do alto custo econômico, a medida é considerada eficaz, pois auxilia na redução da curva de crescimento de novos casos e aumenta o tempo de reorganização do sistema de saúde local, uma vez que evita a aceleração descontrolada de infecções e óbitos.
A partir daí instaurou-se verdadeira situação de calamidade pública, não apenas com a preocupação quanto à saúde e o possível colapso do Sistema Único de Saúde - SUS, mas também com as dificuldades que esta pandemia poderia e ainda pode significar para o mundo do trabalho, razão pela qual se fez necessário, em caráter de urgência, a revisão das regras trabalhistas tão recentemente modificadas. Sob este enfoque, MARTINEZ; POSSÍDIO assinalam que:
as regras celetistas serão insuficientes para resolver os dilemas que surgirão em razão da nova ordem instalada. O contexto é diferente de tudo o que se concebeu para a edição daquelas regras. O momento atual assemelha-se a um dos filmes de ficção científica norte-americanos, aos quais se assiste com incredulidade e até certa admiração com a capacidade inventiva de seus criadores. Os dispositivos celetistas servirão, por óbvio, para esse primeiro momento de caos e mesmo assim, com suas regras afrouxadas, capazes, dessa forma, de serem lançadas sobre os fatos sociais com adequação e razoabilidade, como compete aos operadores do direito fazer, como intérpretes das normas que são, somente a partir do que se terá a efetiva subsunção do fato à regra. (2020, p. 25)
Com isso, fez-se imprescindível a criação de diferentes medidas de urgência para enfrentamento do problema e para adequação à nova rotina de isolamento e quarentena recomendada pela OMS, dentre as quais se destacaram a Medida Provisória nº 927/2020, publicada em 22/03/2020 e a Medida Provisória nº 936/2020, publicada em 01/04/2020 que estabeleceram medidas trabalhistas que poderiam ser adotadas pelos empregadores para preservação do emprego e da renda.
Assim pontuam FILHO; FERNANDES:
Ao longo do período de desenvolvimento de estratégias de enfrentamento da emergência de saúde pública, o Direito do Trabalho tem sido, sem dúvidas, uma das áreas mais dramaticamente afetadas em dezenas de países. Diante da profusão legislativa observada entre os meses de março e abril de 2020, este trabalho destina-se a apresentar ao público um panorama geral das alterações concernentes à seara juslaboralista no Brasil. (2020, online)
Ante a situação de pandemia e crise na saúde pública que o mundo vem enfrentando, o governo brasileiro se posicionou ao seu enfrentamento, todavia com ênfase e preocupação quanto ao setor da economia, ora houve medidas de isolamento social, assim, tal setor seria afetado diretamente.
Os olhares se voltavam para a questão da saúde pública, todavia, quando o Brasil, como os demais países do mundo, se viu completamente despreparado para uma situação catastrófica como esta, era necessária uma análise minuciosa do cenário nacional. Ora, por um lado a pandemia, mas por outro, a garantia dos postos de trabalho e, o giro econômico comprometido.
Acerca da crise, pontuam MARTINEZ; POSSÍDIO:
Os cidadãos começam a sentir os efeitos deletérios do Coronavírus na economia e no mercado de trabalho. O isolamento social, como medida necessária à contenção desse contagioso vírus, apesar de imperioso, produz consequências danosas e de grandes proporções, já sendo possível identificar no Brasil as primeiras manifestações dessa desordem social. Estabelecimentos comerciais começam a fechar suas portas por determinação de autoridades públicas e, com isso, têm o seu faturamento diretamente atingido (2020: pág. 12).
Nota-se que a preocupação para com a manutenção das relações de emprego e dos postos de trabalho é válida. Uma vez que, se os esforços se concentrassem integralmente no combate ao vírus e os outros problemas fossem negligenciados, haveria um efeito negativo e devastador no futuro.
Dessa forma, as primeiras medidas adotadas pelo governo federal foram sim, voltadas ao combate e enfrentamento para minimizar a propagação do vírus. Todavia, após os decretos de isolamento social, fechamento dos serviços não essenciais, entre outros, sobreveio a edição das medidas provisórias nº 927/2020 e 936/2020, destinadas à flexibilização das leis trabalhistas, todavia com o objetivo veemente de garantir os postos de emprego e, também trazer meios necessários à sobrevivência das empresas ante a situação de crise generalizada. (BARROS; BRANDÃO, 2020)
3.1. MP 927/2020
Tal ato do Poder Executivo Federal foi editado no dia 22 de março de 2020 e, teve validade de 120 dias para apreciação do Congresso. Todavia, após o decurso desse prazo todas as disposições nela contidas perderam eficácia, pois não fora convertida em lei.
A MP 927/2020 autorizou os empregadores a adotar medidas para amenizar os efeitos negativos advindos do estado de calamidade pública nos postos de trabalho. Em outras palavras, foi editada para garantir emprego e a renda e para que as empresas pudessem lidar com o período de crise sem demitir o quadro de funcionários se utilizando de alternativas à legislação trabalhista.
A presente MP previa a migração para o trabalho a distância, antecipação de férias individuais, concessão de férias coletivas, suspensão de férias de profissionais da saúde e serviços essenciais, aproveitamento e antecipação de feriados, adiamento do recolhimento de FGTS, suspensão de exigências em segurança e saúde no trabalho e regime especial de compensação de horas.
Nesse sentido, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA e da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho – ANPT, pontuaram que:
Na hipótese sob exame, o afastamento dos sindicatos de negociações, entre empregadores e empregados, com o potencial de causar sensíveis prejuízos a estes últimos, contraria a própria lógica subjacente ao Direito do Trabalho, que parte da premissa da desigualdade estrutural entre os dois polos da relação laboral. (STF, 2020)
Cabe observar que a doutrina acerca desse entendimento, além do parecer da Organização Internacional do Trabalho em relação à violação de suas Convenções nº 98 e nº 154, a qual segue exposto:
Convenção nº 98 versa sobre o direito à sindicalização e de negociação coletiva e foi ratificada pelo governo brasileiro em 1952, sendo promulgada e passando a ter validade em 1953; Convenção nº 154 a expressão “negociação coletiva” compreende todas as negociações que tenham lugar entre, de uma parte, um empregador, um grupo de empregadores ou uma organização ou várias organizações de empregadores e, de outra parte, uma ou várias organizações de trabalhadores, com o fim de alcançar um ou todos os seguintes objetivos: fixar as condições de trabalho e emprego; regular as relações entre empregadores e trabalhadores; regular as relações entre os empregadores ou suas organizações e uma ou várias organizações de trabalhadores. (BRASIL, 1953)
Todavia, os dispositivos da MP nº 927/2020 não estavam em conformidade com a Constituição, em seus artigos 7º, caput, incisos VI e XXVI e art. 8, VI, uma vez que o art. 2º da referida Medida Provisória, promove a inversão das fontes normativas do Direito do Trabalho, com a supremacia do acordo individual de trabalho entre empregado e empregador sobre a negociação coletiva, prejudicando não apenas os seus preceitos fundamentais de cunho eminentemente social, mas também instrumentos normativos internacionais que o Brasil é signatário, tendo tais normas também status constitucional, sendo as Convenções Internacionais nº 98, 151 e 154, da OIT, ratificadas pelo Brasil, em exame de convencionalidade.
3.1.1.Teletrabalho
A OIT traz um conceito simplificado de teletrabalho:
forma de trabalho efetuada em lugar distante do escritório central e/ou do centro de produção, que permita a separação física e que implique o uso de uma nova tecnologia facilitadora da comunicação. (OIT, 2012)[1]
Então, é um método que permite com que a produção seja eficaz e, ainda diminui a disseminação da Covid 19, uma vez que traz flexibilidade na prestação do trabalho, podendo ser realizado de maneira remota e, evitando a aglomeração que por sua vez é o principal fator que contribui para a transmissão viral.
Segundo (PINEL, 1998) o instituto do teletrabalho é diferente do home Office, embora sejam semelhantes no contexto, o home Office é o trabalho remoto de forma predominante e não esporádica. Logo o teletrabalho, durante a pandemia poderia ocorrer em alguns dias da semana, em forma de rodízio para reduzir o número de funcionários no prédio da empresa.
Com o advento da reforma trabalhista, a CLT, ocorrida em 2017, agora disciplina o teletrabalho em um capítulo inteiro, compreendido entre os artigos 75- A a 75-E, e assim conceitua o instituto:
Art. 75-A. A prestação de serviços pelo empregado em regime de teletrabalho observará o disposto neste Capítulo.Art. 75-B. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.
Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho. (BRASIL, 2017).
É importante ressaltar que a MP 927/2020 dispunha em seu artigo 4º, caput:
Art. 4º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador poderá, a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância e determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho. (BRASIL, 2020)
Assim, não seria necessária a anuência do trabalhador nem tampouco acordo individual ou coletivo, logo se o empregador assim o quiser, será adotada esta modalidade para desenvolvimento das atividades laborais. Seria exigida apenas a comunicação ao trabalhador, por escrito, no prazo mínimo de antecedência de 48 horas.
Sobre a aquisição dos equipamentos para o desempenho das atividades, assim dispõe o artigo 4º, §3º e §4º da MP 927/20:
§ 3º As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, pela manutenção ou pelo fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância e ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado serão previstas em contrato escrito, firmado previamente ou no prazo de trinta dias, contado da data da mudança do regime de trabalho. § 4º Na hipótese de o empregado não possuir os equipamentos tecnológicos e a infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, do trabalho remoto ou do trabalho a distância: I - o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura, que não caracterizarão verba de natureza salarial; ou II - na impossibilidade do oferecimento do regime de comodato de que trata o inciso I, o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador. (BRASIL, 2020)
Para a aquisição da infraestrutura, dos equipamentos de trabalho, ou até mesmo sua manutenção, considerada necessária ao teletrabalho, deveria constar na alteração contratual no prazo de até 30 dias posteriores à alteração da nova modalidade e, caso houvesse pagamento de algum equipamento ou estrutura por parte do trabalhador, o valor deveria ser reembolsado pelo empregador.
Caso o empregado não possuísse os equipamentos necessários, na forma do §4°, o empregador poderia fornecê-los em comodato para que este desempenhasse suas atividades e, tal fornecimento não seria considerado como quaisquer verbas para fins ou natureza salarial. Caso não fosse possível o comodato dos equipamentos ou da estrutura de trabalho, o período acertado contratualmente para a jornada seria computado como sendo tempo à disposição do empregador.
Outra inovação foi a autorização de trabalho à distância para estagiários e aprendizes, vedado pela Lei 11.788/08, já que necessária a supervisão, houve a flexibilização para permitir que também os estagiários e aprendizes pudessem trabalhar à distância, devendo ser supervisionados também à distância. (MARTINEZ; POSSÍDIO, 2020)
Há ressalva expressa na MP 927/2020 para que não se apliquem as regulamentações sobre tele atendimento e telemarketing ao teletrabalho, em razão das particularidades em relação àqueles, sobretudo jornada de trabalho diferenciada. (GANASSOLI, 2021)
3.1.2.Adiantamento de Férias Individuais
No que tange à concessão das férias individuais o empregador deveria informar ao empregado sobre a antecipação de suas férias com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, por escrito ou por meio eletrônico, com a indicação do período a ser gozado pelo empregado, flexibilizando os requisitos do artigo 135 da CLT. As férias, no entanto, não poderiam ser concedidas em períodos inferiores a cinco dias corridos e poderiam ser concedidas pelo empregador ainda que o período aquisitivo não tenha transcorrido completamente. (DINIZ, 2020)
Conforme previa o art. 6º da MP:
Art. 6º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador informará ao empregado sobre a antecipação de suas férias com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, por escrito ou por meio eletrônico, com a indicação do período a ser gozado pelo empregado.
§ 1º As férias - não poderão ser gozadas em períodos inferiores a cinco dias corridos; e II - poderão ser concedidas por ato do empregador, ainda que o período aquisitivo a elas relativo não tenha transcorrido.
§ 2º Adicionalmente, empregado e empregador poderão negociar a antecipação de períodos futuros de férias, mediante acordo individual escrito.
O §3º do artigo 6º determina que o empregador dê prioridade de férias aos trabalhadores que estão no grupo de risco do corona vírus (idosos e pessoas com doenças crônicas, pessoais com imunidade baixa).
Estabelece o §4º do mesmo artigo que durante o estado de calamidade pública o empregador poderá suspender as férias ou licenças não remuneradas dos profissionais da área da saúde ou aqueles que desempenham funções essenciais, mediante comunicado formal a ser entregue ao trabalhador com antecedência de 48 horas, por escrito ou por meio eletrônico.
Acerca do pagamento das férias pode ser feito a critério do empregador até o 5º dia útil do mês subsequente ao início do gozo das férias, ou seja, data já legalmente estabelecida para recebimento do salário, não havendo qualquer ônus antecipado à empresa que conceder férias individuais. (LOURENCINI, 2020)
Além disso, o terço constitucional de férias pode ser pago pelo empregador, a seu critério, no momento do pagamento da remuneração relativa às férias ou até a data que é devida a gratificação natalina (art. 1º da Lei nº 4.749/65), ou seja, até 20 de dezembro.
É importante frisar que cabe ao empregador decidir se antecipa ou não férias do empregado, portanto, se assim decidir o empregador, resta ao empregado acatar a decisão. (DINIZ, 2020)
3.1.3.Concessão de Férias Coletivas
Em relação às férias coletivas a MP 927/2020 flexibilizou o prazo de comunicação, para 48 horas de antecedência que antes era de 15 dias, o limite de períodos anuais e a duração mínima desses períodos, que na CLT (art. 139) são apenas 2 períodos anuais de no mínimo 10 dias. A MP dispensou também a comunicação prévia ao órgão do Ministério da Economia e aos sindicatos. (LOURENCINI, 2020)
Não há, portanto, alteração em relação ao pagamento do terço constitucional e da respectiva remuneração de férias, mantendo-se os demais termos conforme artigo 135 da CLT.
Conceder férias coletivas ou individuais, a depender do tamanho da empresa, nesse período de crise, no qual os governos estaduais e municipais, por meio de decretos, determinam o fechamento do comércio não essencial, vem a ser uma válvula de escape para que as empresas cumpram os decretos e, ao mesmo tempo evitem demissões em massa. Tal medida beneficia também os serviços que permanecem em funcionamento, pois os decretos determinam a redução ou rodízio do número de funcionários para que possa haver o distanciamento social, logo, a concessão de férias traz esta possibilidade. (GANASSOLI, 2021).
Tal medida, fora motivo de debate, uma vez que as férias são concedidas ao trabalhador para que este possa, nelas, descansar e gozá-las como bem entender. Haja vista a intenção da CLT, para que este seja avisado sobre a concessão, com antecedência é, justamente para que possa programá-las, bem como lhe é assegurado o pagamento acrescido a um terço. (SARAIVA; TONASSI; LINHARES, 2020)
Contudo, verifica-se excepcionalidade no que tange à concessão das férias no período da pandemia, em relação ao disposto na CLT. Podendo assim, concedê-las aos trabalhadores que já tinham o período aquisitivo tanto quanto aos que ainda não faziam jus. Logo, o período das férias, embora já programadas, deixa o trabalhador confinado em isolamento social, não podendo delas desfrutar conforme seu objetivo, ou até mesmo, em virtude da situação de crise, adiá-las. (FILHO; FERNANDES, 2020)
3.1.4.Antecipação dos feriados
A antecipação dos feriados não religiosos tanto federais, estaduais, municipais e distritais, se tornou uma alternativa para manutenção dos empregos e empresas nesse período de calamidade devendo o empregador notificar por escrito ou por meio eletrônico os empregados, com quarenta e oito horas de antecedência, indicando os feriados que estão sendo antecipados. (LOURENCINI, 2020)
Tal medida tem que ser autorizada pelo empregado por meio de acordo individual escrito com o empregador, caso concorde com a antecipação. Há também autorização do artigo 13, §1º da MP nº 927/2020 para que os feriados não religiosos possam ser utilizados para compensação de saldo em banco de horas.
Todavia, antecipar o feriado religioso, traz limitação ao trabalhador no que tange ao exercício de prática religiosa aos seus adeptos. Ora, em respeito ao direito fundamental que assegura a liberdade religiosa, a antecipação somente pode ocorrer com a anuência escrita do trabalhador. (FILHO; FERNANDES, 2020)
Por outro lado, antecipar feriados se torna uma medida deveras eficaz no que tange o combate à disseminação do vírus, permitindo aos trabalhadores que fiquem em casa e flexibilizando às empresas a rotatividade dos funcionários mantendo assim a obediência aos decretos dos entes federativos. (FLÁVIO; CALCINE, 2020)
3.1.5.Banco de Horas
A MP 927/2020 determinou a criação de banco de horas exclusivo para o período de calamidade onde o prazo para compensação das horas constantes de banco de horas será de até 18 meses, contados do encerramento do estado de calamidade pública (31/12/2020), prazo este que antes era de até 6 meses para acordos individuais e até 1 ano se fosse por força de acordo ou convenção coletiva (art. 59, §2º e §5º da CLT). (LOURENCINI, 2020).
Sobre o assunto FILHO; FERNANDES explanam:
Outra providência passível de adoção é o recurso a uma modalidade especial de banco de horas. Este peculiar regime admite a compensação de horas de trabalho no prazo de até dezoito meses, contados da data de encerramento do estado de calamidade pública (cuja duração foi estabelecida até 31/12/2020 pelo Decreto Legislativo n.º 06/20) (2020, online)
A compensação das horas deve ser feita por prorrogação de até 2 horas na jornada, não podendo a jornada exceder dez horas diárias. A compensação pode ser determinada pelo empregador independente de autorização em convenção coletiva ou acordo individual ou coletivo de trabalho.
3.1.6 Suspensão das exigências administrativas em segurança e saúde do trabalho
No referido ponto houve flexibilização da realização de exames médicos ocupacionais, clínicos e exames complementares, com exceção do exame demissional, que devem ser realizados em até 60 dias após o fim da calamidade. Foram flexibilizados ainda, os treinamentos periódicos dos empregados, por ocasião das normas regulamentadoras, que podem ser realizados em até 90 dias do encerramento do estado de calamidade, podendo ainda ser feitos por ensino à distância. (LOURENCINI, 2020).
Nesse sentido:
Ademais, fica suspensa as exigências em segurança como treinamentos periódicos e eventuais dos atuais empregados, que serão realizados no prazo de 90 dias do encerramento da calamidade pública, ou então podem ser feitos na forma de ensino a distância, por supervisão do empregador para garantir que tais atividades sejam executas de forma segura.
Além do mais, as comissões internas de prevenção de infortúnios poderão ser mantidas até o fim da calamidade e os processos eleitorais em curso poderão ser suspensos. (GANASSOLI, 2020, online)
Tal flexibilização trazida pela medida provisória se direciona às exigências de segurança que são consideradas de rotina e, que não colocariam em risco a saúde e segurança do trabalhador, pois a preocupação com o bem estar e saúde são indispensáveis, principalmente em um momento de crise na saúde pública. (CANDIDO, 2020).
Além do que, alguns treinamentos, por sua natureza, poderão ocorrer de forma remota, sendo supervisionados pelo empregador, logo o objetivo é que se resguarde a segurança do trabalhador, todavia com o intento de evitar a aglomeração e contágio.
3.1.7. Suspensão do contrato de trabalho e salário do empregado.
O ponto mais polêmico da MP 927/2020 residiu em seu artigo 18, onde previa a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho, por meio de acordo individual pelo prazo de até 120 (cento e vinte) dias, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional não presencial oferecido pelo empregador, sendo facultativa a concessão ao trabalhador, pelo empregador, de ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial. (LOURENCINI, 2020)
O art. 18 da MP 927/2020 trouxe tamanha afronta aos direitos trabalhistas que fora revogado no dia seguinte a sua publicação, pela MP 928/2020. Ora permitia que o trabalhador fosse aproveitado em qualificação profissional sem percepção de salário por um período de até 4 (quatro) meses. Isso faria com que o mesmo fosse exposto a uma terrível miserabilidade. (FILHO; FERNANDES, 2020)
Acerca do referido dispositivo pontua GANASSOLI:
[...] a MP 927/2020 em seu art. 18, prevê a suspensão do contrato de trabalho por até 4 meses, mediante negociação individual, deixando muitos trabalhadores preocupados em relação ao seu salário.
A proposta seria conceder um curso de qualificação que diante do cenário atual, podem não ser prestados e apenas dar a possibilidade de uma ajuda de custo, a qual não está vinculada com o salário mínimo. Acerca disso, a MP 928/2020 revogou o art. 18 da MP 927/2020. (2020, online)
Dessa forma, o empregado poderia permanecer por até quatro meses sem o recebimento de salário, o que, por evidente, gerou uma enorme repercussão social e levou à revogação desse dispositivo por nova Medida Provisória de n. 928, de 23 de março de 2020 (artigo 2º). Já que o salário está nitidamente atrelado à ideia de alimentos e subsistência, ou seja, o labor sem a contraprestação salarial gera a escravidão violando os mais basilares direitos humanos.
3.1.8. Acidente de trabalho
O artigo 29 da MP 927/2020 traz que os casos de contaminação pelo corona vírus não serão considerados ocupacionais, exceto se comprovado o nexo causal. Ao assim proceder, não há presunção de que a contaminação é equiparada a acidente de trabalho, pelo fato de que o vírus se dissemina exponencialmente e o risco de contágio é potencialmente alto. (LOURENCINI, 2020)
Assim, dispunha o art. 29:
Art. 29. Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal. (BRASIL, 2020).
É deveras um ponto positivo destacado na medida provisória, uma vez que o intuito é a proteção ao trabalhador. Ora, caso seja confirmado que contraiu o vírus enquanto laborava, a doença será considerada como acidente de trabalho. Logo, temos esse caráter protetivo explícito na referida medida provisória. (FILHO; FERNANDES, 2020)
Assim sendo, se comprovado o nexo entre a doença e o trabalho, é possível a caracterização como acidente de trabalho e todos seus efeitos (percebimento de benefício acidentário, estabilidade de emprego, recolhimento do FGTS do período de afastamento e dano moral e material, se for o caso).
Logo, caso verificado que o trabalhador adquiriu a doença em decorrência e, em estrita motivação pela sua atividade laborativa, fará jus aos benefícios assegurados ao empregado vítima de acidente de trabalho, sendo assim, caso afastado por tempo superior a 15 dias, receberá do INSS – Instituto Nacional do Seguro Social, benefício de auxílio doença por acidente de trabalho, que por sua vez isenta o empregado da carência de 12 contribuições, como é o caso de um auxílio doença comum. (LOURENCINI, 2020).
Todavia, não é regra que o contágio por COVID 19 é considerado como acidente de trabalho. Nesse sentido:
Importa salientar que a COVID -19, infecção viral ocasionada através de contágio do corona vírus, não é considerado como doença/acidente do trabalho. Existem exceções, em casos comprovados diante de má conduta por parte da organização empresarial, as quais colaboraram de fato com o contagio, há necessidade de nexo de causa (que é muito difícil). (CANDIDO, 2020, online)
Percebe-se que, o trabalhador, como parte hipossuficiente na relação de trabalho, fica adstrito a um ônus probante abstruso, para que possa-se configurar o contágio como acidente ocupacional. Conforme a autora é bastante difícil provar o nexo causal entre a contaminação e o ambiente de trabalho. Logo, divergindo de outros posicionamentos doutrinários, não é um ponto que protege o trabalhador.
Comprovar nexo de causalidade entre a contaminação pelo corona vírus e o ambiente em que se exerce a atividade para que se tenha direito ao auxílio doença por acidente de trabalho é, deveras uma missão extremamente difícil ao trabalhador. Pois este terá que arguir e juntar provas da má organização da empresa, desleixo e descaso na condução de sua atividade durante a pandemia, e, ainda convencer de que tal omissão é motivo do contágio. Logo, quase impossível. (CANDIDO, 2020)
Vale ressaltar que a MP nº 927/2020 perdeu sua eficácia, por não ter sido convertida em lei. Logo, suas regras tiveram validade jurídica entre 22/03/2020 a 19/07/2020. Respeitando ainda, o prazo estipulado na própria MP para a calamidade pública, até 31/12/2020.
3.2 MP 936/2020
Medida Provisória 936, de 1º de abril de 2020, que entre outras providências, institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública.
Em 06 de julho, o presidente transformou a MP 936 na Lei nº 14.020/2020, que autoriza a redução de jornada e de salários e a suspensão dos contratos enquanto durar o estado de calamidade pública decretado até 31 de dezembro de 2020 em razão da pandemia.
Dentre as principais ações da MP nº 936/2020 estão o benefício emergencial de preservação do emprego e da renda, a redução proporcional de jornada de trabalho e salário de até 70%, por até 90 dias (art. 7º), e a suspensão contratual, por até 60 dias (art. 8º). (NUNES, 2020)
Em 13 de julho, por meio do Decreto nº 10.422/2020, prorroga os prazos para celebrar os acordos de redução proporcional de trabalho e pra efetuar o pagamento dos benefícios emergenciais de que trata a Lei nº 14.020/2020, citada acima.
O Decreto nº 10.470, publicado no DOU do dia 24 de agosto de 2020 prorroga mais uma vez os prazos para celebrar acordos de redução proporcional de jornada de trabalho e de salário, bem como de suspensão temporária de contrato de trabalho e para efetuar o pagamento dos benefícios emergenciais da Lei 10.020/2020.
Contudo, no dia 13 de outubro de 2020, por meio do Decreto 10.517/2020, o prazo é novamente prorrogado, ficando definido:
I – Redução de jornada/salário – pode ser acrescido de mais 60 dias, ou seja, o empregador que já tiver firmado acordos anteriormente poderá acordar mais um período de redução, de forma que somado aos períodos anteriores já cumpridos totalize no máximo 240 dias (90 dias do primeiro acordo + 30 dias do segundo + 60 dias do terceiro + 60 dias do quarto);
II – Suspensão do contrato de trabalho:
a) pode ser acrescido de mais 60 dias, por exemplo: a empresa que já suspendeu os contratos de trabalho por 60 dias no primeiro acordo e mais 60 no segundo, mais 60 no terceiro, poderá agora acordar a suspensão por mais 60 dias, totalizando 240 dias (60 + 60 + 60 + 60); (BRASIL, 2020)
Assim, se a empresa que firmou anteriormente acordo de suspensão de contrato de 60 dias + 60 dias (cento e vinte dias) e também acordo de redução de jornada/salário de 60 dias (totalizando cento e oitenta dias), agora poderá firmar novo acordo de redução de jornada/salário ou novo acordo de suspensão de contrato por mais 60 dias, de forma que, no total (acordos anteriores mais o novo acordo), não ultrapasse duzentos e quarenta dias. (NUNES, 2020)
3.2.1 BEm – Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda
O BEm é um benefício de cunho financeiro pago pelo Governo Federal aos empregados que sofreram a redução de jornada de trabalho e de salário ou suspensão temporária do contrato de trabalho em decorrência da situação de crise instalada no país por consequência do novo corona vírus.
Segundo FILHO; FERNANDES:
O Benefício é devido a partir da data do início da redução da jornada de trabalho e de salário ou da suspensão do contrato, observado o seguinte: 1) caberá ao empregador informar ao Ministério da Economia acerca do acordo individual , no prazo de dez dias, contado da data da celebração do acordo, sob pena de arcar com a remuneração integral do período; 2) o pagamento do Benefício ocorre apenas durante o período de redução de jornada e salário ou suspensão do contrato; 3) a primeira parcela do Benefício será paga no prazo de trinta dias, contado da data da celebração do acordo, desde que informada no prazo de dez dias anteriormente mencionado. (2020, online).
O valor pago referente ao BEm é baseado nos últimos três salários do trabalhador e corresponde a um percentual do seguro-desemprego. Todavia, oscila entre duzentos e sessenta e um reais e vinte e cinco centavos até mil oitocentos e treze reais e três centavos, conforme o tipo acordado e o percentual de redução tratado junto ao empregador.
Para o professor NARDELLI:
Ocorre que tal previsão se torna vital ao enfrentamento da crise, vez que a intermediação dos sindicatos para essa negociação tornaria o acordo inviável, dada a impossibilidade de convocações de assembleias para deliberação quanto aos pontos estabelecidos pelas empresas, tornando o processo extremamente moroso e burocrático.
A contrapartida do Governo com o pagamento do Benefício Emergencial mostra-se suficiente para compensação de eventuais prejuízos que possam ser questionados pelos empregados.(2020, p. 01)
Nota-se que o benefício emergencial traz em sua acepção uma ambiguidade deveras positiva, pois, além de garantir que o empregador pudesse aderir e se adequar aos decretos estaduais e municipais que fecharam os serviços não essenciais, pôde também garantir que o tempo em que o trabalhar permanecer com o contrato suspenso, não tivesse sua renda comprometida e, o mais importante, a manutenção dos postos de trabalho.
Outro ponto positivo é a possibilidade de cumulação da percepção de até dois benefícios, em caso de duplicidade de contratos de trabalho e, suspensão em ambos. Assim o trabalhador estaria assegurado eficazmente em suas relações de emprego e com a renda garantida.
3.2.2 Redução da jornada de trabalho e de salários
Um dos pontos mais polêmicos da MP 936/2020 é a redução da jornada de trabalho, isso porque ainda na MP 927/2020 o governo havia sugerido a suspensão do contrato de trabalho e dias depois acabou revogando o artigo que tratava do tema.
A irredutibilidade salarial (art. 7º, VI) e a autonomia da vontade coletiva (art. 7º, XXVI) são princípios constitucionais, disciplinados como verdadeiros direitos sociais, pertencentes aos trabalhadores urbanos e rurais, com a finalidade de melhoria da sua condição social (art. 7º, caput). (NUNES, 2020)
Partindo de tal premissa, somente há que se admitir a possibilidade de redução salarial, com fundamento na autonomia privada coletiva, se resultar algum benefício para as partes, especialmente para os trabalhadores, principais destinatários da proteção constitucional. Não evidenciada a concessão de vantagem aos empregados, em contrapartida à alteração contratual lesiva decorrente da norma coletiva, encontra-se vedada a redução salarial.
No entanto, após a reforma trabalhista que entrou em vigor em 2017, passou a ser permitido que o empregador faça a redução da jornada de trabalho e do salário, por convenção coletiva ou por meio de acordo individual com o empregado.
A justificativa para a criação da MP 936/2020 foi reduzir o número de demissões, garantir a continuidade de atividades laborais e empresariais e reduzir o impacto social da situação provocada pela pandemia.
Agora para que ocorra a redução da jornada com o benefício emergencial, o valor do salário-hora deverá ser mantido. Além disso, a redução só poderá ser feita por acordo individual expresso, nos percentuais de 25%, para todos os trabalhadores, e de 50% e 70%, para os que recebem valor inferior ou igual a R$ 3.135,00 (três mil cento e trinta e cinco reais). É importante ressaltar que, em nenhuma circunstância, as reduções podem fazer com que um trabalhador receba menos do que o salário mínimo de R$ 1.045 por mês (mil e quarenta e cinco reais). (NUNES, 2020)
Para quem recebeu em 2020 mais de dois tetos do RGPS: R$ 12.202,12 (doze mil duzentos e dois reais e doze centavos) e com curso superior — configurados como hiper suficientes na CLT — e que já realizam acordos individuais, os percentuais de redução serão acordados entre as partes (mantidos em 25%, 50% e 70%), tendo direito ao benefício emergencial. Outros percentuais, somente por meio de acordo coletivo. (NUNES, 2020)
Falando em acordo coletivo no qual são incluídos os empregados com salário entre R$ 3.135,00 (três mil cento e trinta e cinco reais) e R$ 12.202,12 (doze mil duzentos e dois reais e doze centavos), obrigatoriamente, a medida poderá ser negociada para todos os colaboradores em percentuais diferentes, num prazo de redução inicialmente de 90 dias, posteriormente prorrogado por até duzentos e quarenta dias, comunicando com, no mínimo, dois dias corridos de antecedência. (BEZERRA, 2020)
O texto prevê que a jornada de trabalho deverá ser restabelecida quando houver cessação do estado de calamidade pública, encerramento do período pactuado no acordo individual ou antecipação pelo empregador do fim do período de redução pactuado, o que ocorrer primeiro.
Nesse contexto:
O trabalhador que houver pactuado a redução da jornada e salário ou a suspensão contratual será beneficiado por garantia provisória de emprego, que perdurará durante a redução ou suspensão e, após sua cessação, por período equivalente àquele acordado para a duração da medida. (FILHO; FERNANDES, 2020, online).
Assim, o colaborador terá garantia provisória no emprego durante o período de redução e após o restabelecimento da jornada por período equivalente ao da redução, a dispensa sem justa causa que ocorrer durante o período de garantia provisória no emprego sujeitará o empregador ao pagamento, além das parcelas rescisórias previstas na legislação em vigor, de indenização no valor de 100% do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego. Esta regra não se aplica às hipóteses de dispensa a pedido ou por justa causa do empregado. (FILHO; FERNANDES, 2020)
Outro ponto que merece destaque da MP 936/2020, diz que as reduções realizadas não impactam o cálculo do décimo terceiro salário e das férias. Assim, caso o colaborador fosse demitido, o cálculo do décimo terceiro proporcional, por exemplo, deveria ter como base a remuneração paga antes do início da aplicação da MP. (SANTOS, 2020)
3.2.3. Da Suspensão
Anterior à edição da MP 936/2020 que, por sua vez previu a redução de salário e jornada de trabalho, bem como a modalidade de suspensão do contrato de trabalho, a CLT previa, em seu artigo 476-A:
Art. 476-A. O contrato de trabalho poderá ser suspenso, por um período de dois a cinco meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, com duração equivalente à suspensão contratual, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho e aquiescência formal do empregado, observado o disposto no art. 471 desta Consolidação. (BRASIL, 2001)
No que tange ao artigo 8º da MP 936/2020, enquanto perdurar o estado de calamidade pública o empregador poderá acordar a suspensão em caráter temporário do contrato de trabalho de seus empregados pelo prazo máximo de 60 dias, em até dois períodos de 30 dias, de maneira fracionada.
Assim, os empregados que ganham remuneração igual ou inferior a R$ 3.135,00 (três mil cento e trinta e cinco reais), e os que possuem curso superior completo com vencimento igual ou superior a R$ 12.202,12 (doze mil duzentos e dois reais e doze centavos), a suspensão poderá ser tratada de forma individual. Nas demais faixas salariais, a suspensão somente poderá ocorrer por meio de acordo coletivo. (LOURENCINI, 2020)
Sobre a suspensão, pontuam FILHO; FERNANDES:
A suspensão contratual deve ser levada a sério. Se houver prestação de serviços durante o período, ainda que por teletrabalho, sua pactuação será descaracterizada e o empregador será responsável pelo pagamento da remuneração e dos encargos sociais referentes a todo o período. (2020, online)
É exigível acordo individual escrito para a suspensão, encaminhado ao trabalhador com, tempo mínimo de dois dias de antecedência, e comunicação ao sindicato em até 10 dias de sua celebração. Em igual prazo, os acordos, individual ou coletivo, devem ser registrados junto ao Ministério da Economia. Isso possibilita a percepção do Benefício.
Empresas que possuem receita anual de até R$ 4,8 milhões (valor bruto) no ano de 2019, receberá do Governo Federal a quantia equivalente a 100% do seguro desemprego ao trabalhador. O empregador, por sua vez, não se obriga ao pagamento da ajuda compensatória. (BEZERRA, 2020)
Já nas empresas com receita superior a R$ 4,8 milhões (valor bruto) no ano de 2019, a participação do Governo será de 70% do seguro desemprego, logo, o empregador será responsável pela cota de valor correspondente a 30% do salário do empregado. Tal importância possui caráter indenizatório, assim, não constitui base para recolhimento de IR, FGTS e INSS. (BEZERRA, 2020)
Segundo a Nota Técnica SEI nº 51520/2020/ME anunciada pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, explica aos empregadores no que tange às férias e o pagamento do 13º salário dos trabalhadores que aderiam ao acordo para suspensão do contrato de trabalhado, em decorrência do estado de calamidade pública. Segundo ela, o período de suspensão não será levado em consideração para o cálculo do 13º salário, todavia, computar-se-á para o período aquisitivo de férias. (DIAS; BARROS, 2020)
Logo, o período aquisitivo terá início após o término da referida suspensão. Exemplificando, um empregado que teve uma suspensão de contrato de trabalho por 60 dias, poderá ter seu período aquisitivo acrescentado a mais 60 dias, dessa forma poderá ser de até dois meses.
Visto isto, incute-nos analisar a suspensão contratual prevista do artigo 476-A da CLT, que tem diferentes pressuposições. Poderá ser concedida por período de 2 a 5 meses devido à participação, em caráter obrigatório, do trabalhador em programa ou curso de cunho voltado a qualificação profissional ofertado pelo empregador, com duração correspondente ao período correspondente à suspensão contratual.
É certo que só pode ser aceita conforme autorização constante em norma coletiva e, com a anuência formal do trabalhador, que pode ocorrer em uma única vez por um período de dezesseis meses. O requisito que caracteriza a suspensão da CLT é a participação obrigatória em curso profissionalizante, o qual, em virtude da pandemia, será realizado, exclusivamente, de forma tele presencial e, terá sua duração de um até três meses, em conformidade com o artigo 17, I, da MP 936/2020.
3.3 Controle de Convencionalidade
É certo que o Poder Judiciário, bem como os juízes singulares, por forca do art. 5º, § 2º, CF/88, têm o dever, de verificar o controle de convencionalidade das leis infraconstitucionais, ainda dos tratados internacionais que versam sobre direitos humanos ratificados sob força de emenda constitucional. Tal controle deve ocorrer de ofício, sob pena de ser, o Brasil, responsabilizado internacionalmente. Assim dispõem o art. 5º, § 2º, CF/88:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. (BRASIL, 1988)
Nesse sentido, por meio do controle de convencionalidade, aplicado na via difusa, logo, por qualquer juízo ou tribunal, os tratados internacionais, bem como as convenções da OIT, devem ser cultivados no âmbito interno sob a rege do princípio pro homine, ou seja, deve ser acatada pelo magistrado, a norma que mais ofereça proteção ao trabalhador e, assim, afastar a aplicabilidade daquela que contrariam as convenções da OIT e dos demais organismos de proteção internacional do trabalho. (MAZZUOLI, 2013).
Nesse sentido, pontua BAHIA:
A supremacia material, de essência, ou de conteúdo, está presente em qualquer tipo de ordenamento constitucional, flexível ou rígido, tendo em vista que a Constituição é a lei fundamental de um país e deve ser protegida para a própria manutenção das instituições. Entretanto, a supremacia formal, de estereótipo, a posição no topo da hierarquia das leis, está relacionada intimamente à rigidez constitucional, sendo um princípio importante para nortear a realização da fiscalização de constitucionalidade das normas infraconstitucionais. (2020, p. 626).
Percebemos que o controle de convencionalidade é operado na via difusa, logo em consonância com o controle constitucional, uma vez que este também pode ser difuso. Assim, é notório que as normas internas devem ser adequadas à CF/88, sendo que os tratados internacionais que versam sobre direitos humanos, ratificados pelo Brasil, sob o crivo do art. 5º, § 3º, CF, têm forma de EC, logo os demais, mesmo não sendo ratificados, possuem hierarquia de lei infraconstitucional federal.
A lei nº 13.467/2017 alterou o texto da CLT, a saber, mais de 100 artigos sofreram modificações, inclusive o artigo 611-A dispõe sobre a autonomia das negociações. Assim, os acordos ganharam mais força, inclusive se sobrepondo á própria legislação quando versarem:
Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: I - pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais;
II - banco de horas anual; III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; IV - adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015; V - plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; VI - regulamento empresarial;
VII - representante dos trabalhadores no local de trabalho; VIII - teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente; IX - remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual; X - modalidade de registro de jornada de trabalho; XI - troca do dia de feriado; XII - revogado
XII - (Vigência encerrada) XII - enquadramento do grau de insalubridade; XIII - (Vigência encerrada) XIII - prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho; IV - prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo; XV - participação nos lucros ou resultados da empresa. (BRASIL, 2017)
Assim, as MPs n. 927/2020 e 936/2020, são radicais quanto á reforma trabalhista de 2017, uma vez que afastam a negociação coletiva e, enaltece o acordo individual, no que tange à redução de salário. Logo, não se trata apenas do negociado coletivo sobre a legislação, o que é apregoado na reforma trabalhista, mas a supremacia do acordo individual sobre o negociado coletivo e sobre a legislação. Desse modo, verifica-se a radicalização das duas MPs indo além, mesmo da reforma.
A OIT já se posicionou, quanto à reforma trabalhista de 2017, declarando a violação dos dispositivos às Convenções nº 98 e 154, ambas, ratificadas pelo ordenamento Brasileiro, ora, as normas trazidas pela MP 927/2020 e 936/2020, que em seu texto são mais ousadas, certamente serão contrárias a tais Convenções internacionais. (PORTO, 2020).
A Corte IDH emitiu um documento acerca das medidas adotadas, durante a pandemia, com intuito de proteger os postos de trabalho, a saber, expressas nas MPs 927/2020 e 936/2020. Assim dispõe a Declaração nº 01/2020 da CIDH:
[...] tomadas no âmbito do Estado de Direito, em plena observância aos instrumentos interamericanos de proteção dos direitos humanos e à jurisprudência deste Tribunal. [...] o cuidado para que se preservem os postos de trabalho e se respeitem os direitos trabalhistas de todos os trabalhadores e trabalhadoras. (CIDH, 2020)[2]
Tal declaração alerta os países a tomarem medias com cuidado, ora, a proteção ao trabalhador deve ser preservada, e, determina que nenhuma ação que vise o combate a pandemia e a preservação dos postos de trabalho podem ir além das convenções internacionais de proteção ao trabalhador, bem como não podem violar direitos trabalhistas e a negociação de forma coletiva.
No que tange a possibilidade de redução salarial, por acordo individual, previsto na MP 963/2020, viola frontalmente a CF/88, quando prevê a irredutibilidade de subsídio e, em especial, fere o princípio da proteção e da segurança jurídica. Desse modo, fora objeto de Ação de Ação Direta de Inconstitucionalidade, arguida pela Rede Sustentabilidade. Embora a previsão de redução de salários, via acordo individual fira diretamente a CF/88, o STF decidiu pela constitucionalidade de tal previsão, adotando uma visão restritiva no que se refere aos direitos sociais (PORTO, 2020).
É certo que o STF, em plenário, decidiu sobre a constitucionalidade da MP 936/2020, em especial, quanto à redução salarial por acordo individual, quando apreciou a ADI nº 6363, vejamos:
Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E DO TRABALHO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMERGÊNCIA DE SAÚDE PÚBLICA CAUSADA PELA DISSEMINAÇÃO DO VÍRUS COVID 19. MEDIDA PROVISÓRIA 936/2020. REDUÇÃO DE JORNADA, DE REMUNERAÇÃO E SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO POR ACORDO INDIVIDUAL 1. Situação emergencial gerada pela pandemia reconhecida pela Organização Mundial da Saúde. Inevitabilidade de uma recessão econômica de grande porte, com risco de quebra sequencial de empresas e desemprego em massa. 2. Medida provisória que admite redução de jornada, de remuneração e suspensão de contrato de trabalho, por meio de acordo individual, para empregados que preencham os seguintes requisitos: (i) perceber salário igual ou inferior a R$ 3.135,00; ou (ii) ser portador de diploma de nível superior e titular de salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (art. 12 da MP 936/2020). Exigência de acordo ou convenção coletiva para os demais. 3. Previsão de redução de jornada e de remuneração por acordo individual altamente reguladas, mediante as seguintes condições: (i) limite máximo de 90 dias; (ii) garantia de emprego pelo tempo de duração da redução e por igual período, uma vez superada ela; (iii) preservação do valor salário/hora de trabalho; (iv) percentuais de redução limitados a 25%, 50% ou 70%; (v) pagamento estatal de Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (“benefício emergencial”), no mesmo percentual da redução, incidente sobre o valor do seguro-desemprego. Garantia, em qualquer hipótese, de pagamento do salário mínimo.4. Autorização de suspensão do contrato de trabalho por acordo individual também altamente regulada, prevendo as seguintes condições: (i) limite máximo de 60 dias; (ii) garantia de emprego pelo tempo de duração da suspensão e por igual período, uma vez encerrada ela; (iii) manutenção de todos os benefícios concedidos pelo empregador a seus empregados; (iv) pagamento, pelo Poder Público, de benefício emergencial correspondente a 100% do valor do seguro[1]desemprego, se a empresa tiver auferido, em 2019, receita bruta inferior a R$ 4.800.000,00; ou (v) pagamento, pelo Poder Público, de benefício emergencial correspondente a 70% do valor do seguro[1]desemprego, a ser percebido pelo empregado cumuladamente com ajuda compensatória de 30% do seu salário, custeada pela empresa, se ela tiver auferido receita bruta superior a R$ 4.800.000,00 em 2019. Garantia, em qualquer hipótese, de pagamento do salário mínimo. 5. A leitura do direito do trabalho à luz da Constituição, além de garantir os direitos expressos no texto constitucional, deve observar os seguintes princípios e objetivos: (i) preservar o emprego e aumentar a empregabilidade; (ii) formalizar o trabalho, removendo os obstáculos que levam à informalidade; (iii) melhorar a qualidade geral e a representatividade dos sindicatos; (iv) desonerar a folha de salários; e (v) acabar com a imprevisibilidade do custo das relações do trabalho. 6. A urgência na implementação das medidas aqui examinadas inviabiliza a exigência de negociação coletiva, que deve ser ponderada com o direito ao trabalho e a garantia do emprego, valores igualmente protegidos pela Constituição. Os sindicatos não têm condição de participar, a tempo e a hora, do imenso volume de acordos resultantes da crise sanitária, econômica e humanitária trazida pela pandemia. Diante disso, impor a negociação coletiva constitui meio inadequado à consecução do próprio fim a que se destina: a tutela do empregado, a proteção do emprego e a segurança jurídica. 7. Antevendo a impossibilidade de adoção ampla de negociação coletiva nos casos nela previstos, a própria medida provisória instituiu intensa regulação protetiva do empregado.8. Nego referendo à cautelar e fixo a seguinte tese de julgamento: “É possível, extraordinariamente, afastar a exigência de negociação coletiva, em situação emergencial e transitória, nas hipóteses previstas na MP 936/2020, tendo em vista que a rigorosa regulação pelo Poder Público minimiza a vulnerabilidade do empregado e que a negociação coletiva poderia frustrar a proteção ao emprego. (ADI nº 6.363 Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI. Data de julgamento: 06.04.2020)[3]
Assim, embora boa parte da doutrina tenha criticado a referida medida provisória, alegando violação aos princípios constitucionais da proteção ao trabalhador e da segurança jurídica, a Suprema Corte decidiu pela constitucionalidade do diploma baseando-se nos referidos princípios. Ora os eixos defendidos pela MP 936/2020, se pautam na preocupação de garantir os postos de trabalho e, assim manter a renda.
Vale ressaltar que, a MP 936/2020 foi convertida na Lei nº 14.020/2020 e, embora tenha trazido algumas alterações em seu texto, manteve seu objetivo primordial, a saber o programa de manutenção de emprego e renda.
No que tange às alterações, a mais importante delas é a possibilidade de prorrogação do benefício emergencial e, tal ação poderá ser realizada a critério do Chefe do Poder Executivo Federal, por meio de decreto. Podendo, ainda, estender os prazos de redução da jornada de trabalho, proporcionalmente, bem como o salário ou até mesmo a suspensão do contrato de trabalho, em caráter temporário.
A MP determinava a redução da jornada de trabalho e o salário pelo prazo máximo de 90 dias e o contrato de trabalho pelo tempo limite de 60 dias. Com o advento da Lei nº 14.020/2020, há discricionariedade do Poder Executivo de ampliar esses prazos.
Outra alteração importante foi a expressa do art. 12 que, determina quem pode realizar os acordos individuais ou negociações coletivas. Anteriormente, a MP determinava um limite em relação ao salário, ou seja, empregados que recebem entre R$ 3.135,00 (três mil cento e trinta e cinco reais) e R$ 12.202,12 (doze mil duzentos e dois reais e doze centavos).
Com a lei, os requisitos são: trabalhadores que recebem salário de até R$ 2.090,00 (dois mil e noventa reais) com receita bruta maior que R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais). Com salário igual ou inferior a R$ 3.135,00 (três mil, cento e trinta e cinco reais e renda bruta igual ou inferior a R$ 4.800.000,00. Os trabalhadores portadores de diploma que recebem igual ou mais que o dobro do valor correspondente aos benefícios da Previdência Social, ou seja, R$ 12.202,12 (doze mil duzentos e dois reais e doze centavos). Utilizando o ano calendário de 2019.
Os acordos individuais e as negociações coletivas firmadas na vigência da MP 936/2020 permanecem sob as regras nela determinantes.
CONCLUSÃO
A pandemia causada pelo novo corona vírus trouxe um cenário completamente extraordinário no que tange à normalidade do ordenamento jurídico e das relações de trabalho. Nessa conjuntura, o governo federal, se ateve a seguir as medidas no combate ao vírus e, ao mesmo tempo, preocupado com o andar da economia, ora ser o setor diretamente atingido com a paralização do comércio, editou dois diplomas: a MP 927/2020 e 936/2020.
A MP 927/2020 teve vigência entre 22/03/2020 a 19/07/2020, ora não fora convertida em lei. Dispunha sobre normas de caráter emergencial com o fito de flexibilizar a atuação das empresas, no que tange o combate à pandemia e, assim evitarem demissões em massa. Tais medidas foram: a opção pelo tele trabalho, adiantamento de férias individuais, concessão de férias coletivas, antecipação de feriados, Suspensão das exigências administrativas em segurança e saúde do trabalho, banco de horas, entre outros.
Por outro lado, a MP 936/2020, posteriormente convertida na lei nº 14.020/2020, se preocupou, com maior ênfase, na manutenção dos postos de trabalho e, se pauta em três principais eixos: benefício emergencial de preservação do emprego e da renda, redução da jornada de trabalho e salário e, possibilidade de suspensão do contrato de trabalho por meio de acordo individual.
A maior polêmica doutrinária sobre os referidos diplomas se dá em virtude da segurança jurídica e do princípio constitucional da proteção ao trabalhador, bem como da garantia fundamental aos direitos sociais previstos na CF/88 e os documentos internacionais de proteção ratificados pelo Brasil.
O art. 18 da MP 927/2020 previa uma descabida suspensão do contrato de trabalho, por um período de até 120 (cento e vinte) dias para participação em curso qualificador, todavia, sem persecução salarial. Tal dispositivo fora revogado logo após a publicação da medida provisória, pois atentava contra o princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que o caráter salaria tem cunho alimentar.
No que tange ao controle de convencionalidade, a doutrina se embasa nas disposições dos órgãos internacionais como, as convenções da OIT, haja vista o Brasil ser signatário dos documentos que visam a proteção da classe trabalhadora. Assim, orientou que os países não tomassem medidas de contenção ao corona vírus que ferissem direitos trabalhistas já consolidados.
A doutrina repudia vários aspectos das MPs, alegando vícios de legalidade nos dispositivos. Ora, o ponto mais debatido é a possibilidade de restrição de alguns direitos por meio de acordo individual. Cabe ressaltar que, antes da pandemia, a discussão girava em torno da lei nº 13.467/2017, a reforma trabalhista, que alterou vários artigos da CLT, dando maior ênfase aos acordos coletivos, podendo, estes, se sobreporem ao legislado.
Assim, o posicionamento da OIT, frente às reclamações apreciadas, foi de repúdio à reforma, por ser uma norma que restringe direitos já consolidados. Logo há a indagação: se houve reprovação internacional quanto à reforma trabalhista, que dirá sobre os dispositivos polêmicos das MPs 927/2020 e 936/2020, os quais extrapolam ainda mais a possibilidade de negociação sobre o disposto na legislação trabalhista.
Contudo, mesmo com as discussões acerca da constitucionalidade das MPs, o STF, decidiu, com o julgamento da ADI nº 6363, que a MP 936/2020, agora convertida em lei, é sim constitucional, embora extrapole ao legislado e ao acordo coletivo. Embora, a maior parte da doutrina seja contrária, o entendimento da suprema corte é justamente pela legalidade das MPs com fundamento nos princípios da proteção ao trabalhador e, diante da situação da calamidade pública, assegurar a manutenção do emprego e renda e, ainda evitar a demissão em massa.
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*Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins –UFT / ESMAT.
[1] Organização Internacional do Trabalho. Disponível em: <http://www.teletrabalhador.com/conceituacao.html> Acesso em 30.03.2021.
[2] CORTE IDH. Declaración de la Corte Interamericana de Derechos Humanos 1/20 de 9 de abril de 2020. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/tablas/alerta/comunicado/ declaracion_1_20_ESP.pdf. Acesso em: 20. 07. 2021.
[3] STF. ADI nº 6.363 Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI. Data de julgamento: 06.04.2020. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6363.pdf> Acesso em: 25.07.2021.
Advogada. Graduada pela Universidade Federal do Tocantins - UFT
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VANDERLEIZ, Maria Caroline de Sousa. Covid-19: pandemia e seus reflexos nos contratos de trabalho introduzidos pelas medidas provisórias nº 927/2020 e 936/2020 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 fev 2023, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /60401/covid-19-pandemia-e-seus-reflexos-nos-contratos-de-trabalho-introduzidos-pelas-medidas-provisrias-n-927-2020-e-936-2020. Acesso em: 28 dez 2024.
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